segunda-feira, 2 de abril de 2012

O cabelo bom da mulher negra evangélica


        Eu tenho várias experiências vividas em relação ao meu cabelo. Não sei por que o fato de usá-lo natural a maior parte da minha vida, sempre chamou atenção das pessoas. Desde a minha entrada na adolescência,( a partir do meus 15 anos para ser exata) que parei de usar chapinha. Evidente que já fiz de tudo: chapinha, alizante, permanente afro, tranças... Mas sempre voltei para o natural. Meu cabelo cresce rápido, por isso "qualquer coisa" que eu dê nele, antes de um mês a raiz natural já está em evidência, o corte já sumiu, e como eu não tenho paciência e nem grana pra fazer manuteção mensalmente, prefiro deixar tudo como Papai do Céu fez.
     A primeira fala sobre minha atitude de deixar meu cabelo natural veio da minha amiga/irmã Euzeni. Ela disse que eu deixava meu cabelo porque eu era rebelde. Hoje podemos dizer que foi um ato de resistência. Aliás, esse é o meu nome: RESISTÊNCIA.
Quem me conhece de longas datas, sabe que brinco com meu cabelo, mas volto sempre ao black.
Já na juventude, mesmo trabalhando no setor administrativo de um escritório de contabilidade, usando farda social, meu black fazia parte do look.
Quando eu me converti(bem crente isso.Rsrsrs), há vinte e um anos atras, uma irmãzinha negra, não aguentou e me perguntou: Por que você não "dá uma coisa no seu cabelo?" Pronto, a partir desse momento ouvi de tudo na igreja.
Nós sabemos que o padrão de beleza imposto no Brasil, é o europeu. Mas dentro das igrejas evangélicas isso é bem mais gritante por todo o constexto histórico que já conhecemos. No nosso caso, mulheres negras, a situação sempre foi e continua sendo mais dolorosa, a depender da denominação que façamos parte.
Na igreja já fui identificada com vários adjetivos: a irmãzinha do cabelo crespo, a irmãzinha africana, a escurinha do cabelo duro, etc. 
Recentemente fui convidada à participar de um casamento na minha igreja, e a mãe da noiva, uma mulher negra, me disse: "Você vai ajeitar o cabelo, né?" Eu respondi que meu cabelo já estava "ajeitado"(meu black estava zangado de grande. Rsrsrs). Evidente que essa irmãzinha quando olha pra mim, se vê refletida e não gosta, pois ela faz parte de uma sociedade que ridiculariza tudo o que é do negro, e o cabelo é a peça principal.
     Quando fiz seminário, tive um colega(o negro chamado sarará)  casado com uma mulher branca, que se dizia muito preocupada como o nascmento da primeira filha. O motivo? Medo da menina nascer com o cabelo "ruim".
Na fase do permanente, uma outra irmã disse que eu não era tão negra assim...Eu é que sei quanto pagava há cada três meses para deixar o cabelo daquela forma. Rsrsrsr
Mês passado(março), fui ao salão de beleza para tratar das minhas unhas. De repente a manicure(negra) começou a elogiar meu cabelo(agora está black e pintado de vermelho), saindo com a seguinte declaração: Minha filha é branca, mas tem o cabelo igual ao seu. Disse também que o pai da criança tinha a mesma tonalidade da minha pele.
Ai eu pensei: por que isso só acontece comigo, meu Deus?
Então lá fui eu "batizar" a manicure na sua negritude. Ela e mais duas jovens que também cairam no conto da certidão de nascimento: elas se declararam pardas, mas todas usavam  alisante.
Crianças e adolescentes me param na rua para elogiar meu cabelo.
Fico feliz por entender que o sistema não conseguiu me controlar. Sim, porque ele, procurou de todas as formas, controlar nossos corpos e mentes(nos quatrocentos anos de escravidão utilizaram as correntes, os troncos, as chibatadas; proibiram a  capoeira, etc). Hoje: não sambe, não se remexa, não cante e nem toque pagode e samba); nossos olhares(sempre olhando para baixo em sinal de obediência); nossos cabelos deviam ser controlados através de alisamento, e se não tivesse "arrumado", usava-se o lenço. Nós, mulheres negras, deveríamos nos assemelhar às mulheres brancas. Sim, o sistema tanto fez que incultiu em nossas mentes que nosso cabelo é uma imperfeição, quase uma aberração! Ele é ruim, crespo, rebelde, duro, e tudo o que de negativo possa ser comparado. Mas o cabelo do branco é, no máximo, maltratado.

O fato de não ser mais tão jovem, usar meu cabelo natural e black, incomoda algumas lideranças na igreja e também algumas irmãs negras e não negras da minha faxa etária. Mas sei que o Senhor Deus é Perfeito e que na sua perfeição, criou o povo negro, negro(não vejo o branco querendo se assemelhar ao negro em nada). Então eu não seria Gicélia da Cruz, se me moldasse ao sistema. 
Fico feliz em ver que rapazes negros evangélicos usam seu black e vão culturar a Jesus, o Salvador. Algumas adolescentes e jovens negras começam a assumir seu black, tranças, torços, colares, etc. 
Peço à Deus que elas e eles permaneçam firmes, pois se assumir negras/negros é muito doloroso.

E conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará.(Jo 8.32)

                    

            

                     

          
             
                                       
  

5 comentários:

  1. Recomendo que leiam o texto ALISANDO O CABELO, da autora Bell Hulks.

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  2. Oi, minha tia! Tô gostando do seu trabalho.

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  3. Salve! Tbm como vc, sou mulher, negra, educadora e evangélica. Sou reconhecedora da minha negritude e sempre me pego refletindo sobre certos paradigmas eurocêntricos que se escondem nos interiores das igrejas, é bem perceptível a forma que muitos "cristãos" dentro da igreja enxergam nossa cultura, sempre de forma supeficial, estanque ou de menos importância. As relações raciais, tbm, é outra questão que nunca é discutida dentros dos templos evangélicos, sinto falta disso, acreditam que vivemos em uma democracia racial, que somos todos irmãos, mas em horas "oportunas", para alguns, despejam todo o seu preconceito e racismo em relação ao nosso povo. Acredito que essa realidade precisa ser transformada, afinal de contas Jesus veio para todos, independente de qual seja a étnia, esse é o verdadeiro evangelho de Cristo, da união e não da segregação entre os indíviduos.
    Fico feliz em saber que compartilhamos da mesma fé...
    Paz!

    Caroline de Jesus
    carolsilva16@hotmail.com

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    1. Valeu, Caroline!

      Fique à vontade para compartilhar experiências.

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  4. Ola, vc é muito bonita.( afirmo isso pela sua foto)
    Veja bem, penso que o entretenimento de muita gente é querer manter os outros dentro de uma" caixinha." Sou azeda de tão branca, e tenho o cabelo lisão que não faz um volta. Detalhe: Estou começando a ter muitos fios de cabelo branco( eles estão embranquecendo muito rápido)... e a família principalmente mulheres ficam mandando eu pintar, que se eu não pintar vou ficar parecendo relaxada, que vou parecer mulher que não se cuida, que vou parecer uma velha. Sem queres ser ofensiva, mas se meu cabelo fosse igual ao delas ( estragado de pintar de 15 em 15 dias) eu já tinha pintado há muito tempo, mas meu cabelo é lindo. Como podes ver tem sempre alguém nos cag..., digo, ditando regras.
    saudação cordial
    Maria

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