sábado, 8 de outubro de 2016

EXPERIÊNCIAS COM ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL I(Lei 10639/03)

Olá, pessoas queridas!
Tudo bem com vocês?

Tenho demorado um pouco para escrever, porque as demandas de preparação para as palestras, aumentaram. Também tenho tido experiências libertadoramente emocionantes.
Hoje quero compartilhar algumas experiências que tive ao falar para estudantes do Ensino Fundamental I. Coisa que até então "achei" que seria complicado, visto que sempre falei para adolescentes, jovens e adultos. Mas que nada, a vida tem me mostrado que para falar sobre desigualdades(racial e social), não tem idade e eu tenho aprendido muito com essas crianças, pois me vejo em cada rostinho e lembro da minha infância de menina preta e pobre nascida e criada no bairro de Cosme de Farias  e  também vivida no bairro do Engenho Velho de Brotas.

OBS: por uma questão de estatística, que mostra serem as mulheres(mãe, avó e tias), as principais responsáveis pelas/os estudantes, então só usarei "as responsáveis".
Você entende, né seu moço?
Rsrsrsr

1ª EXPERIÊNCIA: No mês da Consciência Negra, fui convidada para falar às responsáveis das/os estudantes de uma escola do Fundamental I, na Ilha de Maré. Lá chegando, fui informada de que o público alvo seriam as/os estudantes, pois, de última hora, suas responsáveis foram convocadas para uma reunião com a liderança local.
Meu Deus, como assim?!!! Eu me preparei para falar às mulheres negras!! Eu vou fazer o que agora?!!
A  minha amiga que tinha me convidado, disse: "Nega", se não der para fazer, a gente dá o lanche deles e depois os manda para casa.
Quando entrei na sala e vi meninas e meninos do 1º ao 5º ano, eu orei e agradeci ao Senhor pela oportunidade de estar ali naquele momento. Lembrei de um vídeo que fiz só  com fotos de crianças negras, usando a música Aos olhos do Pai(Diante do Trono), e também um material que fiz depois da experiência que tive com um aluno na Exposição PanÁfrica(postado aqui em junho/2014).
Quando coloquei o vídeo com a música, surgiu um verdadeiro coral, pois todos conheciam a letra e, emocionada, vi os olhinhos delas/es brilharem ao ver àqueles crianças negras na tela improvisada Tenho certeza de que se viram representadas. Logo após a exibição do vídeo, falei sobre o Continente Africano e sua importância para a formação do povo brasileiro. Incrível como prestaram atenção à minha fala e respondiam as minhas perguntas. Saí dali com uma sensação gostosa de dever cumprido.

Resultado: ali eu vi um número expressivo de crianças evangélicas e que é possível sim aplicar a Lei 10639/03. Eu fui proselitista e intolerante com as/os estudantes que professam outro tipo de religião? NÃO!!!! No meu projeto, mostro a diversidade cultural e  religiosa existentes no Continente Africano com seus 54 países;  aqui no Brasil mostro a contribuição cultural e religiosa da população negra para a formação da nação. Inclusive o candomblé enquanto um espaço de resistência e preservação de elementos africanos.

2ª EXPERIÊNCIA: junto aqui experiências distintas vividas em duas escolas também do Ensino Fundamental I. Um momento foi sobre o 25 de Julho Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha e no outro momento foi para falar sobre a autoestima da criança negra.
O que eu ouço muito é: Professora Gicélia, os meninos e meninas colocam apelido um no outro e se a menina for bem pretinha, ela sofre mais ainda.
Nos dois momento convidei, bem carinhosamente, duas meninas negras com tons de pele diferente para virem à frente e mostrei a beleza da cor da pele de cada uma, os traços e o cabelo.Em um dos casos, a menina que tinha a pele mais clara, se assustou quando a chamei de negra(ela olhou para o braço sem acreditar no que estava ouvindo), já ade pele mais escura, nem levantava a cabeça.
Num outro momento, ao perguntar se na novela Carrocel tem criança negra,um coral respondeu que SIMMMMM!!!
E quem é? CIRILO!!!!
E tem menina negra? NÃO!!!!!!
E foi ai que uma vozinha respondeu: tem sim, pró. É Laura.(a que come demais e é romântica). Ela é uma menina negra com a pele clara.
Então, aproveitei esse momento para falar sobre o racismo e de como as mulheres negras são as principais vitimas; inclusive apresentei a pirâmide sócioeconômica no brasil e a posição da mulher negra ali representada.
E continue provocando: A trama da novela acontece numa escola e por quê será que tem poucos negros? Ai veio a resposta que me deixou com a voz embagada e tive que engolir o choro: É por ali é uma escola particular, pró. Responde um menino de 10 anos. Sim, podemos trabalhar as desigualdades de raça e classe na sala de aula.
Nessa mesma turma, em meio às minhas provocações sobre como é ser criança na favela, um menino responde: Tem negro que é vagabundo e também não procura o seu lugar. Merece tomar porrada mesmo!!! Podemos falar sobre o exterminio da juventude negra para o Fundamental I?

Resultado: eu saiu bem mexida emocionalmente e com a certeza de que ainda levaremos algumas décadas para ver essa realidade amenizada. Sim, aplicar a Lei 10639/03, é nosso dever. Qualquer profissional da educação de que declara evangélico, comete pecado por deixar essas crianças sem acesso a informação que as libertará do jugo do racismo.(Tg 4.17)


Gicélia Cruz



domingo, 19 de junho de 2016

A PRETA RETINTA NÃO TEM AUTORIDADE PARA FALAR

Olá, pessoas queridas!


Inicio essa postagem já falando sobre o termo Preta Retinta. É que minha cor na certidão de nascimento, está "PRÊTA". Portanto, ao nascer, ninguém teve dúvidas sobre a cor da minha pele e eu também não.
Kkkkkkk


Gostaria de compartilhar algumas experiência dessa minha fase de palestrante.
Confesso que tem sido interessantemente desafiador esse momento da minha vida. Sinto Deus direcionando meus passos ao encontro de um público sedento por ouvir, dentro e fora da Igreja, que por Ele ser perfeito, criou o Continente Africano para dar inicio à sua criação, e que, portanto, o povo negro é abençoado de Gêneses à Apocalípse.
Chamado missionário diferente esse...Rsrsrsr
Ao ser convidada para falar em escolas, faculdades e algumas igrejas, a experiência é sempre impactante e enriquecedora. Só que começo a observar que minha fala sempre incomoda algum ouvinte(o que é normal), que procura desautorizar o que eu falo, ainda que eu esteja embasada com dados fornecidos por instituições públicas e privadas de referência.
Também observo que são sempre pessoas que têm um tom de pele mais clara, o chamado pardo. Pode ser homem ou mulher.
Já tive situação diferente onde um professor e uma aluna interromperam  minha fala por um tempo e disse que iria embora, pois discordava de tudo o que estava sendo exposto, já que eu falava sobre a diversidade religiosa no afrodiaspórico. Nas duas situações eu pedi, pacientemente, que  se retirassem porque precisava dar continuidade ao trabalho.
Em outra situação fui convidada para falar sobre violência doméstica em uma determinada igreja evangélica. Foi então que uma irmã identificando-se como branca(SQN), e fez questão realizar "quase" a palestra no meu lugar. Quando finalmente foi cedida minha fala, abordei os tipos de violência simbólica que nós mulheres estamos passíveis de sofrer, inclusive as mulheres evangélicas; que existe a Delegação de Atendimento à Mulher e o disque 180 para denúncia de violência doméstica. Para minha surpresa, quando terminei a palestra, a referida irmã pediu mais uma vez um momento para falar e disse que mesmo quando as irmãs sofressem algum tipo de violência, deveriam primeiro buscar orientação de Deus antes de tomar qualquer decisão. Percebi então que ela queria ter a última palavra ainda que fosse para desconstruir o que eu tinha falado.
Também tenho enfrentado reações machistas de alguns irmãos que não aceitam de bom grado minha fala sobre gênero e raça. Já ouvi de um irmão que acha errado uma mulher evangélica ser feminista.
Então eu pergunto: eu não posso falar sobre violência doméstica, Lei Maria da Penha, a cultura do estupro no Brasil? Não posso pensar e falar sobre o extermínio da Juventude Negra, a mortalidade materna que acomete mais as mulheres negras(segundo dados do Ministério da Saúde)?
Não posso falar em público?
Mas também existem os não-evangélicos que as vezes têm a mesma postura.
Irmã, essa sua fala é de coitadinha, é de vitimização; que tudo é racismo. Estou sempre ouvindo isso...
Só lembrando que negro não pode ser racista, pois racismo tem a ver com relação de poder. 

Na verdade, começo a perceber que algumas pessoas se sentem incomodadas porque não é qualquer negra que está falando. A cor da minha pele é quase o último tom na escala degradê...Rsrsrsr (Intelectuais Negras - Bell Holks)

O que essa "nega preta" está achando que é para falar assim?!!
Hummm...

Também sei que sou o espelho que essas pessoas evitam olhar, pois reflito a imagem que elas tentam apagar da memória por diversos motivos. Talvez por isso procuram desautorizar o que falo.

Certa vez ouvi de um colega de escola: _Gicélia, se você tivesse nascido no período da escravidão, não sairia do tronco.(Ele era sarará). Isso porque sempre externei minha opinião sobre os assuntos abordados pelos professores na sala de aula. Também foi nesse período que pela primeira vez tive uma fala minha impressa nas provas da disciplina de sociologia do curso de magistério. Lembrei disso essa semana.
Sei das chicotadas simbólicas que recebo até hoje...

Obrigada Senhor Jesus, por ter escolhido exatamente esse tom de pele para mim e por estar me sustentando com saúde e sabedoria para fazer a tua obra.


Gicélia Cruz

Eu sou preta e bela, ó filhas de Jerusalém.(Ct 1.5)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

MINHA CAMINHADA DE FÉ NA DIÁSPORA AFRICANA

Olá, pessoas queridas!

Estive um pouco ausente devido alguns compromissos pessoais, mas com saudade de escrever sobre algumas reflexões que vocês sabem, gosto de fazer e compartilhar.
Eu passei a ter um interesse pela temática Diáspora Africana e procuro estar sempre pesquisando sobre a situação do negro onde quer que ele esteja fora de África. Percebo que as dificuldades são as mesmas: a invisibilidade do negro na América Latina; como os jovens negros nos EUA morrem de forma violenta, assim como o boicote ao Oscar/2016 por atrizes e atores negros, pela total ausência dos mesmos nas indicações para o prêmio.
Aqui no Brasil  vivemos numa luta constante. Nós mulheres negras estamos na base da pirâmide social, ganhamos 40% do salário do homem branco. Importante lembrar que as negras evangélicas também estão incluídas nessa estatística. O nosso credo religioso não nos torna melhores que as espíritas, candomblecistas, umbandistas e católicas que se auto-declaram negras e pardas, pois o racismo é estrutural, ou seja, "não nos libera". 
O extermínio da juventude negra é o que mais me corta o coração. O histórico de pobreza que muitas vezes leva o jovem negro à vulnerabilidade social e  risco; o histórico de repetência escolar, que leva à distorção idade/série e, consequentemente, ao abandono definitivo da sala de aula; que leva ao mercado de trabalho informal(mão de obra barata); que leva ao crime; que leva à morte. Mas sabemos também que basta ser negro e morar na periferia ou não, para ter sua sentença de morte já assinada. Também percebo que eles geralmente são criados por mulheres negras que sustentam seus lares sozinhas: mães, avós, tias. Quando elas perdem seus meninos, eu me pergunto: quem dá o suporte psicossocial à essas mulheres? Por uma questão genética, já são hipertensas; as vezes também vem a depressão. A mídia sensacionalista não respeita a dor da família ainda mais fragilizada, e as expõem sem dor nem piedade.Quem cuida dessa família?
Muitas dessas mulheres encontram em Cristo e na sua Palavra o alívio para  dor de ter perdido seu menino, e não é a toa que elas estão todos os dias participando de cultos e campanhas na igreja, pois, certamente, ali passa a ser um espaço terapêutico onde elas podem orar em voz alta, chorar, louvar e voltar mais aliviada para sua casa.
Mas  muito me preocupa também é o silêncio das igrejas sobre o extermínio desses jovens. E me pergunto: Senhor, até quando passaremos de largo ou por cima desses cadáveres? Quando usaremos de misericórdia e justiça? O que entendemos ser o nosso próximo? 
Durante minha caminhada de fé, levei um tempo me questionando por que não fui para o campo missionário como outras mulheres foram, já que fiz o curso de teologia com esse objetivo. Hoje entendo que Deus preparou um campo missionário diferente para mim. O Senhor me chamou, me capacitou e me deu o sentimento de pertença quando me fez entender o que é ser mulher e negra na Diáspora Africana; Ele tem me mostrado uma África particular aqui no Brasil ao me dar a tarefa e o privilégio de trabalhar com mulheres e jovens negros. Esses últimos, minha grande paixão. Trabalhando com eles e para eles, percebo o quanto o racismo é perverso. 
Sinceramente, hoje eu não consigo fazer uma leitura bíblica dissociada da minha realidade. 
(Lucas 10.25-37)

Gicélia Cruz